Meu plano de saúde é obrigado a cobrir internação domiciliar (“home care”)?

São rotineiras as recusas de operadoras de planos de saúde em fornecer serviço de internação domiciliar (“home care”) aos pacientes, mesmo quando solicitado pelo médico assistente, sob o argumento de que não há previsão contratual para essa modalidade de tratamento.

Estando expressamente previsto em contrato que o plano de saúde não cobre a internação hospitalar, ainda assim seria possível obter o serviço? 

Conforme será adiante demonstrado, é dever da operadora de saúde cobrir a internação, desde que atendidos determinados requisitos.

Antes de adentrar na análise jurídica da demanda, urge esclarecer que a internação domiciliar solicitada pelo médico assistente possui como principais benefícios a humanização do atendimento, proporciona um maior contato do paciente com a família e favorece a recuperação diminuindo os riscos de infecção.

Feita esta breve exposição sobre os benefícios da internação domiciliar, reconhecidos pelo Ministério da Saúde, passa-se à análise jurídica, que se inicia com o art. 10 Lei 9.656/98, que traz o plano-referência, consistente nos procedimentos mínimos que devem ser cobertos pelas operadoras de planos de saúde, sendo destaque a cobertura assistencial para todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (também conhecida como CID 10), da Organização Mundial de Saúde. Vejamos:

Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:  

Por sua vez, o Código de Ética Médica estabelece os direitos dos médicos, dentre eles o previsto no inciso II do Capítulo II de indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.

Partindo-se da premissa de que as operadoras de planos de saúde devem cobrir todos os tratamentos cientificamente comprovados para as doenças previstas no CID 10 e que é direito do médico assistente indicar o tratamento que acredita ser o mais eficaz, tem-se a conclusão de que limitar o tratamento do paciente para a internação, apenas, no âmbito hospitalar fere o direito do médico, além de violar o art. 10 da Lei 9.656/98, em razão da limitação de tratamento de doença prevista no CID 10.

Esse é o entendimento da doutrina especializada e do Superior Tribunal de Justiça:

Entrementes, na situação em que a internação domiciliar tenha sido prescrita pelo médico responsável pelo tratamento do usuário, tem-se ser devida a cobertura dos medicamentos ministrados, haja vista não poder este ser prejudicado pela técnica adotada pelo profissional de saúde. Destarte, a técnica de medicação assistida – também conhecida como serviços de home care –, realizada por profissional médico no próprio domícilio do paciente, exdige a cobertura dos produtos adotados para a recuperação de sua saúde, por estarem inclusos nos serviços prestados pela operadora de plano de saúde. (Gomes, Josiane Araújo. Contratos de planos de saúde. – Leme (SP): JH Mizuno, 2016. Páginas 216 e 217)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. INTERNAÇÃO HOSPITALAR. ATENDIMENTO MÉDICO DOMICILIAR. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE. HOME CARE. CLÁUSULA CONTRATUAL OBSTATIVA. ABUSIVIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A Segunda Seção desta Corte Superior consagrou o entendimento de não se aplicar o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, haja vista a inexistência de relação de consumo (Súmula nº 608/STJ). 3. É abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar como alternativa à internação hospitalar, visto que, da natureza do negócio firmado (arts. 423 e 424 do CC), há situações em que tal procedimento é altamente necessário para a recuperação do paciente sem comprometer o equilíbrio financeiro do plano considerado coletivamente. 4. Agravo interno não provido.
(STJ – AgInt no AREsp: 1185766 MS 2017/0264853-4, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 12/06/2018, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/06/2018)

Analisando o inteiro teor do julgado, extraem-se os requisitos para a cobertura da internação domiciliar, quais sejam: (i) de haver condições estruturais da residência, (ii) de real necessidade do atendimento domiciliar, com verificação do quadro clínico do paciente, (iii) da indicação do médico assistente, (iv) da solicitação da família, (v) da concordância do paciente e (vi) da não afetação do equilíbrio contratual, como nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia não supera o custo diário em hospital.

Quanto ao requisito “v”, é evidente que a concordância do paciente deve se dar quando o paciente é apto a exprimir sua vontade, não sendo este o caso quando for incapaz, por exemplo, o paciente portador de Alzheimer em estágio avançado.

Também, necessário esclarecer que o ônus da prova do requisito “vi” (da não afetação do equilíbrio contratual, como nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia não supera o custo diário em hospital) é da operadora do plano de saúde, por se tratar de fato impeditivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC), bem como a impossibilidade de o consumidor demonstrar que o custo da internação hospitalar é mais barato que o da internação domiciliar, atraindo, ainda que o ônus fosse do consumidor, a inversão do ônus da prova, nos moldes do art. 6º, VIII, do CDC.

Assim, conclui-se que as operadoras de planos de saúde são obrigadas a cobrir a internação domiciliar, quando solicitada, fundamentadamente, pelo médico assistente, sob pena de violação do art. 10 da Lei 9.656/98 e do Código de Ética Médica.

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